quinta-feira, janeiro 12, 2017

Bom ano 2017 com muitas leituras
                                     João Vaz Carvalho



"(...) Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, está calado, apenas olha fixamente Blimunda, e de cada vez que ela o olha a ele sente um aperto na boca do estômago, porque olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul, que com a luz de fora variam ou o pensamento de dentro, e às vezes tornam-se negros nocturnos ou brancos brilhantes como lascado carvão de pedra. 
Veio a esta casa não porque lhe dissessem que viesse, mas Blimunda perguntara-lhe que nome tinha e ele respondera, não era necessária melhor razão. 
Terminado o auto-de-fé, varridos os restos, Blimunda retirou-se, o padre foi com ela, e quando Blimunda chegou a casa deixou a porta aberta para que Baltasar entrasse. 
Ele entrou e sentou-se, o padre fechou a porta e acendeu uma candeia à última luz duma frincha, vermelha luz do poente que chega a este alto quando já a parte baixa da cidade escurece, ouvem-se gritar soldados nas muralhas do castelo, fosse a ocasião outra, havia Sete -Sóis de lembrar-se da guerra, mas agora só tem olhos para os olhos de Blimunda, ou para o corpo dela, que é alto e delgado como a inglesa que acordado sonhou no preciso dia em que desembarcou em Lisboa. 
 Blimunda levantou-se do mocho, acendeu o lume na lareira, pôs sobre a trempe uma panela de sopas, e quando ela ferveu .deitou uma parte para duas tigelas largas que serviu aos dois homens, fez tudo isto sem falar, não tornara a abrir a boca depois que perguntou, há quantas horas, Que nome é o seu, e apesar de o padre ter acabado primeiro de comer, esperou que Baltasar terminasse para se servir da colher dele, era como se calada estivesse respondendo a outra pergunta, Aceitas para a tua boca a colher de que se serviu a boca deste homem, fazendo seu o que era teu, agora ·tornando a ser teu o que foi dele, e tantas vezes que se perca o sentido do teu e do meu, e como Blimunda já tinha dito que sim antes de perguntada, Então declaro-vos casados. 
O padre Bartolomeu Lourenço esperou que Blimunda acabasse de comer da panela as sopas que sobejavam, deitou-lhe a bênção, com ela cobrindo a pessoa, a comida e a colher, o regaço, o lume na lareira, a candeia, a esteira no chão, o punho cortado de Baltasar. Depois saiu. 
Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar. Apenas uma vez Baltasar se levantou para pôr alguma lenha na fogueira que esmorecia, e uma vez Blimunda espevitou o morrão da candeia que estava comendo a luz, e então, sendo tanta a claridade, pôde Sete-Sói_ dizer, Por que foi que perguntaste o meu nome, e Blimunda respondeu, Porque minha mãe o quis saber E queria que eu o soubesse, Como sabes, se com el_ não pudeste falar, Sei que sei, não sei como sei, não_ faças perguntas a que não posso responder, faze como fizeste, vieste e não perguntaste porquê, E agora, Se não tens onde viver melhor, fica aqui, Hei-de ir para Mafra, tenho lá família, Mulher, Pais e uma irmã, Fica, enquanto não fores, será sempre tempo de partires, Por que queres tu que eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me convença, Se não quiseres ficar, vai-te embora, não te posso obrigar, Não tenho forças que me levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo.
Deitaram-se.(...)"
                                                                              "Memorial do Convento", de José Saramago 

50 anos da revolução: 25 de abril é SEMPRE!

  Explicação do País de Abril País de Abril é o sítio do poema. Não fica nos terraços da saudade não fica nas longas terras. Fica exacta...